sábado, 14 de abril de 2012

Entrevista - Revista Quem - 08/11/2011

Se pudesse, Arlete Salles pararia o tempo. “Lembro de quando fiz 50 anos. Estava dirigindo meu carro e refazia as contas, tentando descobrir magicamente um erro”, diz a pernambucana de Paudalho. A atriz de 69 anos não esconde o incômodo com a chegada dos 70, mas não se acomoda e luta contra os sinais da idade. “Quando posso, vou à academia cinco vezes por semana”, revela a vaidosa Arlete, que tem “mania de perfumes e banhos”. 

Aos 19 anos, já era mãe do hoje ator Alexandre Barbalho, 50 anos, e estava casada com o ator Lúcio Mauro. “Sexo na época não era permitido antes do casamento. Então, o pensamento era ‘vamos casar, vamos correr com isso’”, afirma ela, que também foi casada na década de 70 com o ator Tony Tornado, 81 anos, de quem preferiu não falar. Tímida ao falar de si mesma, Arlete fala que está solteira, mas avisa que não está fechada para o amor: “A minha menina não morreu. Está aqui, com mais idade, mas está aqui”. 

No ar como a taxista Vilma de Fina Estampa, Arlete tem experiência de mais de 30 novelas, em 54 anos de carreira. Começou aos 15, na Rádio Jornal do Commercio, em Recife. “Fui de uma forma mágica, inconsciente”, relembra. A chegada à TV Globo foi no fim da década de 60, quando já morava no Rio e ainda não tinha tido o segundo filho com Lúcio Mauro – o cineasta Gilberto Salles, 40 anos. Hoje, Arlete mora com o caçula, a mãe, Severina Salles, 92 anos, e as cachorras Akira e Suzi, numa casa na Gávea, Zona Sul do Rio. 

QUEM: No próximo ano você completa 70 anos. Preparada?
ARLETE SALLES:
 Lembro de quando fiz 50. Estava dirigindo meu carro e refazia as contas, tentando descobrir magicamente um erro. Foi o aniversário mais difícil. Depois disso, vi que não mudou muito. Há perdas mais valiosas: ter que usar óculos, o joelho dá problema. Os 70 anos são assustadores porque você está a dez dos 80. 

QUEM: Você é vaidosa?
AS:
 Acho que o ser humano tem que cheirar bem. É um dever, uma obrigação. Minha vaidade é mais com isso, com os cheiros. Tenho mania de perfumes e banhos. Gosto de comprar roupas, mas não sou compulsiva. Gosto de comprar bolsas. Faço musculação, aeróbica, que é a única coisa que faz baixar o peso. Quando posso, vou à academia cinco vezes por semana. Sou marombeira. Agora estou descobrindo o pilates, meu médico me recomendou. Eu detesto restrição alimentar. Gosto de comer bobagens: sorvetes, bolos, pães. Vou morrer vendendo saúde. 


"Eu detesto restrição alimentar. Gosto de comer bobagens: sorvetes, bolos, pães. Vou morrer vendendo saúde."

QUEM: E seus hábitos mudaram?
AS:
 Quando se é jovem, ficar em casa o fim de semana é um abandono. Agora só saio se for uma coisa muito boa. Fico em casa prazerosamente, com meus dois cachorros, Akira e Suzi, lendo um belo livro. Mas a vida continua bombando dentro de mim, continua tão prazerosa quanto antes. 

QUEM: Você está solteira?
AS:
 Estou solteira, mas não caso mais, não. A minha cota já foi. Vivia sempre na esperança de encontrar o príncipe encantado. As paixões são o grande barato da vida. Não sei se vou me apaixonar. E se for surpreendida por uma paixão correspondida? A minha menina não morreu. Está aqui, com mais idade, mas está aqui. 

QUEM: Foi bom ter sido mãe tão jovem?
AS:
 Sou tão feliz com meus filhos que não poderia dizer que não foi bom. Mas não é muito bom para a criança ter uma mãe muito jovem – uma mãe com inquietações, fazendo descobertas, desejosa da vida lá fora e querendo experimentar. A maternidade tem horas que lesa a tua evolução. Até consegui conciliar bem, porque nunca faltou uma coisa: amor. 

QUEM: Você curte ser avó?
AS:
 Tomei um susto. Percebi que a vida estava passando. Ninguém é avó porque está jovem. Adoro meus netos: o Pedro, de 20 anos, e a Joana, de 15. Discordo de quem fala que ser avó é ser mãe duas vezes. Lá em casa é território livre, podem tudo. O Pedro ficou mais comigo. Quando começou a falar, ele ligava às sextas-feiras pedindo para ficar comigo no fim de semana. Chegava ao teatro com a mochilinha nas costas e eu ia para casa: uma santa criatura. Não podia namorar, passear. 

QUEM: Fina Estampa é a primeira novela em cinco anos. Estava com saudade?
AS:
 Mais que isso, há mais tempo que não fazia a novela das 9. Gosto do meu ofício em qualquer horário e em qualquer espaço. A Vilma é um personagem bacana, positivo, tem essa coisa cativante da profissão. Foi a primeira coisa que me chamou a atenção. Emprestei a ela muito da minha leveza, do meu jeito de sentir a vida, essa paixão pelo que faço. Cheguei junto da alma dela com muita facilidade. 

QUEM: Você dirige?
AS:
 Dirijo. Gosto de dirigir, mas já gostei mais. Era uma coisa meio terapêutica para mim, se estava tensa, pegava uma estrada... Gostava até de velocidade. 

QUEM: Foi muito difícil o início da sua carreira?
AS:
 Não. Naquela época, a televisão tinha uma oferta maior de oportunidades. A nossa teledramaturgia virou um sonho dourado brasileiro, como o sonho americano do cinema. Tanto que todo jovem quer chegar ao Projac, a Hollywood brasileira. Hoje é muito mais difícil começar. 

QUEM: Você lembra por que quis ser atriz?
AS:
 Esse é um mistério até para mim. Era uma menina extremamente tímida. Não existia televisão e as famílias não sonhavam ter um filho ator. Longe disso. Fui de uma forma mágica, inconsciente, aos 15 anos, para a rádio. 

QUEM: E como foi?
AS:
 Escutei um chamado pelo rádio para fazer um teste. Fui, mas não passei porque não tinha experiência. Sempre tive um vozeirão e acabei fazendo locução. Queria estar lá naquele ambiente e acabei me tornando atriz. Na minha primeira novela no rádio, o script tremia tanto na minha mão! Eram duas falas: “O doutor acabou de chegar” e “Por aqui, doutor”. 

"As paixões são o grande barato da vida. Não sei se vou me apaixonar. E se for surpreendida por uma paixão correspondida?"

QUEM: Foi lá que você conheceu Lúcio Mauro?
AS:
 Não. Morávamos na mesma rua e acabamos namorando. Qual é o grande sonho de uma menina do interior? Casar. Sexo na época não era permitido antes do casamento. Então, o pensamento era “vamos casar, vamos correr com isso”. Aí, quando casei, em princípio pensei “já trabalhei, agora vou ser dona de casa”. 

QUEM: Por que o casamento terminou?
AS:
 Durou bastante, 12 anos. Deu certo. Eu já não tinha nada a ver com aquela menina de 16 anos, que fez um casamento idealizado, com sonhos de Cinderela. 

QUEM: Você disse que pensou em deixar a carreira de atriz para ser dona de casa. O que a fez voltar atrás?
AS:
 Começaram uns encontros do Lúcio com pessoas de teatro lá em casa. Resolveram montar uma peça e queriam testar uma atriz. De dentro da cozinha, fiz um sinalzinho discreto para o Lúcio, ele não queria que eu fizesse, mas passei no teste. 

QUEM: Como foi a passagem do teatro para a televisão?
AS:
 Era uma jovem atriz, promissora, premiada e recebi convite para fazer parte do elenco. Toda minha formação profissional é nordestina. Quando chegou o videoteipe, o espaço foi ficando bem menor para os atores locais. Eu e Lúcio tínhamos conseguido um certo respeito e, em 1963, fomos transferidos para o Rio e chegamos contratados, uma situação que era rara. 

QUEM: Tinha sotaque naquela época?
AS:
 Muito e foi sofrido. Teve uma hora em que percebi: ou me libertava do meu sotaque ou ia ficar prisioneira dele. Não existia ainda a fonoaudióloga. Perdi sozinha, na cara e na coragem, uma tenacidade nipônica minha. 

QUEM: E como chegou à TV Globo?
AS:
 A Tupi dava sinais de falência, fiquei muito assustada com aquilo, foram dias difíceis. Mas como o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-executivo da TV Globo) tinha feito uma pequena temporada por lá, quando ficamos desempregados, peguei minha bolsinha e bati na porta dele. E o resto já se conhece, foi dando certo. Com trabalho, sorte, amigos, vocação, seriedade, busca e inquietação, até porque sou uma atriz puramente intuitiva. Não tenho escola de teatro.


Fonte: QUEM

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